Por uma regulamentação do uso e tributação do Bitcoin?

Por uma regulamentação do uso e tributação do Bitcoin?

By Benson Toti - min. de leitura
Atualizado 03 junho 2020

“É preciso regulamentar o Bitcoin, em razão também da dificuldade em descobrir quando uma pessoa, seja jurídica ou física, realizou alguma operação com a moeda digital”.

O bitcoin é uma moeda totalmente digital que possibilita a realização de operações como pagamentos e transferências pela internet entre quaisquer usuários do mundo, sem nenhum intermediário, de maneira segura, rápida, anônima e com uma taxa irrisória. O desenvolvimento da moeda aconteceu para promover maior integração na economia mundial com menos fronteiras e burocracia.

Quando houve a invasão de hackers nos sistemas dos órgãos do governo e que ficou público o valor da conversão em reais, muitas pessoas começaram a prestar atenção em operações com bitcoins.

Todas as transações que ocorrem na economia virtual são registradas em uma espécie de livro-razão da rede Bitcoin e são distribuídas no chamado “Blockchain”, que nada mais é do que um grande banco de dados público, um livro-razão imutável, ou seja, onde o histórico de todas as transações realizadas.

Em 2014, o Banco Central do Brasil emitiu o Comunicado nº 25.306 ao tratar sobre possíveis riscos na realização de operações com moedas virtuais, demonstrando que a entidade está acompanhando o crescimento do Bitcoin no mercado brasileiro e mundial.

Seguindo essa mesma linha, a Receita Federal elencou que o Bitcoin não é uma moeda, mas produz repercussão financeira e pode ser equiparado a um ativo financeiro. Dessa maneira, sua posse, bem como as transações realizadas, deve ser declarada e, dependendo da operação, tributada.

A Receita Federal, inclusive, passou a disponibilizar campo no seu formulário de declaração do Imposto de Renda a possibilidade de se declarar os Bitcoin de que é proprietário e, se for o caso, pagar o valor do imposto equivalente.

Assim, deve-se selecionar o código “Outros bens e direitos” e descrever as quantidades das diferentes moedas digitais que o contribuinte tenha. Como não existe uma cotação considerada oficial para o Bitcoin e sua emissão não é controlada por nenhum órgão do governo, entendemos que deverão ser usadas as cotações como a do mercado Bitcoin para o cálculo dos ganhos.

Os ganhos de capital obtidos com a venda de bitcoins são passíveis de incidência de Imposto de Renda, variando a alíquota para pessoas físicas ou jurídicas. Importante ressaltar que mesmo quem não obteve ganho de capital, mas adquiriu ou alienou bitcoins, está “obrigado” a informar o saldo e as transações na declaração anual de ajuste do Imposto de Renda ou na ECF, conforme o caso.

Para os ganhos de capital auferidos por pessoas físicas, o imposto apenas incide quando as vendas são superiores a R$ 35 mil em um mês, conforme já esclarecido pela Receita Federal. Nesse caso, a alíquota é de 15% sobre os ganhos obtidos e o recolhimento deve ser feito até o último dia do mês seguinte ao da operação de alienação, utilizando–se do GCAP (Programa de Apuração dos Ganhos de Capital).

Para as pessoas jurídicas, o que determina a forma como os ganhos de capital são tributados é o regime de apuração ao qual se submetem, ou seja, lucro real, lucro presumido ou Simples Nacional.

Enxergamos lacunas na legislação e cada caso deverá ser analisado separadamente, pois algumas questões ainda permanecem sem respostas, como por exemplo:

– Está correto utilizar as cotações como a do Mercado Bitcoin/FoxBit ( Exchanges, são corretoras de bitcoins),  para o cálculo dos ganhos?

– As doações das bitcoins estão sujeitas ao ITCMD?

– As intermediações de compra de venda podem ser consideradas tributáveis pelo ISS?

– Nas conversões para reais há IOF?

Para isso teríamos que mudar a essência Bitcoin ou o Governo se adequar a ele.

O artigo abaixo, é uma síntese de uma adaptação do discurso proferido por Fernando Ulrich, em Brasília, no dia 05 de julho de 2017, por ocasião da Audiência Pública da Comissão Especial de Moedas Virtuais, a qual estuda a regulação de bitcoins e moedas digitais conforme proposto pelo PL 2303/15

Liberdade, privacidade e responsabilidade

Até a invenção do bitcoin, segurança e descentralização pareciam termos antagônicos. A nossa moeda corrente, as nossas instituições financeiras e sistemas de pagamentos — todos dependem da confiança em uma autoridade centralizada, encarregada pela segurança e prevenção de fraudes, e responsável pelo exame minucioso de quem pode ou não ter acesso.

Já o bitcoin, assim como outras moedas digitais similares, inverte o modelo de segurança de sistemas tradicionais — fechado e centralizado — para um aberto e descentralizado, em que a confiança é atingida pela força computacional.

Além de ser uma quebra de paradigma, o bitcoin também requer uma mudança cultural; simplesmente não estamos acostumados a essa forma de organização. Por isso, quando expostas pela primeira vez a essa nova realidade, as pessoas logo se perguntam “Mas quem controla? Quem é o responsável?”.

Apesar de prover certo grau de privacidade, a rede é, paradoxalmente, transparente, pública e aberta. Os próprios códigos do sistema podem ser inspecionados por qualquer um; trata-se de um software de código-fonte aberto.

Por conta de todos esses atributos, a rede como um todo e, especificamente, o blockchain (o livro contábil digital) jamais foram violados em mais de oito anos de operação ininterrupta. Isso significa que não há registros de desvios de fundos, transações inautênticas ou qualquer tipo de adulteração da rede.

Neste modelo, porém, é delegada ao usuário a responsabilidade tanto de custódia quanto de transferência de saldos. As implicações deste arranjo é que a guarda das senhas é de inteira obrigação do titular, não sendo possível recorrer a nenhum terceiro em caso de extravio ou mau uso. Por ser um dinheiro digital, os cuidados necessários com o papel-moeda tradicional são igualmente válidos ao bitcoin, mas com uma crucial diferença: é possível realizar quantos backups das senhas forem desejados.

Por ser uma plataforma tecnológica aberta, a possibilidade de inovar sem autorização ou licença prévia assemelha-se à da internet, que nos últimos 20 anos propiciou um ritmo alucinante de inovações, resultando em grande crescimento econômico, valor agregado aos consumidores, oportunidades de negócios e empregos.

Ao contrário do senso comum, o pseudo-anonimato dos usuários não decorre de nenhuma tentativa deliberada de ocultação ou evasão; esse atributo é, em realidade, parte chave e inerente à segurança e à inviolabilidade da rede.

Por definição e desenho do protocolo, a proteção ao consumidor é um atributo intrínseco à rede, uma vez que as transações não revelam informações sensíveis das partes e não dependem de intermediários, eliminando, dessa forma, o risco de vazamento de dados pessoais, números de cartões de crédito, e qualquer outra informação financeira sujeita ao uso criminoso por atores mal intencionados.

Essa forma de transacionar é diametralmente oposta aos sistemas financeiros tradicionais, sejam bancos, sejam empresas de cartões de crédito, em que o usuário deve fornecer diversas informações pessoais, independente do valor da compra, elevando sobremaneira o risco de furtos de identidade e clonagem de dados financeiros.

Regulação, confiança, globalização e internet

Há uma percepção errônea de que protocolos como o do bitcoin carecem de regulação e por isso impõem sérios riscos aos seus usuários. Em realidade, a rede é extremamente auto-regulada, tanto pelos algoritmos criptográficos quanto pela supervisão constante dos participantes.Qualquer tentativa de fraude é rapidamente detectada e frustrada. Qualquer tentativa de burlar o protocolo, como a regra de criação de bitcoins, é inviabilizada pela absoluta transparência da rede.

Isso não quer dizer que os usuários estejam livres de todo e qualquer risco. Vejo três grandes pontos de atenção decorrente do uso dessa tecnologia:

1) Risco de sistema: alguma falha do software, algum bug que possa impactar negativamente a confiança. Embora esse risco seja mitigado por ser um software livre, aberto e que está sendo constantemente auditado e aprimorado.

2) Risco de mercado: àqueles que usam o bitcoin como meio para transferência de valor ou investimento, não há nenhuma garantia sobre o preço de um bitcoin. Ele é definido livremente no mercado.

3) Risco de usabilidade: não faltam notícias de usuários que perderam bitcoins por não fazer backups das senhas ou por puro esquecimento destas.

A maior parte do que foi dito até aqui faz referência majoritariamente ao uso do protocolo como sistema de pagamentos, para transferência de valores ou para puro investimento. Contudo, e aqui jaz a razão de tanto fascínio e entusiasmo por essa tecnologia que inspira empreendedores e idealistas, os usos e aplicações possíveis vão muito além do que um mero dinheiro digital.

A revista britânica The Economist definiu como o “Protocolo da Confiança”. E ela tem razão, pois o blockchain, enquanto protocolo, distribui a confiança entre todos os participantes da rede, removendo pontos centrais ou únicos de falha, tornando o sistema incrivelmente robusto e seguro.

Hoje, bitcoin e outras moedas criptográficas já são consideradas apenas uma ramificação — ou um simples uso — de algo muito maior: a tecnologia do Blockchain.

As novas aplicações do blockchain, assim como a internet lá atrás, estão recém sendo descobertas, criadas e desenvolvidas, e o leque de usos possíveis aumenta a cada dia.

A Nasdaq, a bolsa de empresas de tecnologia dos Estados Unidos, está usando o blockchain para negociação e registro de ativos como ações.

O governo da Suécia está migrando parte dos registros de imóveis para o blockchain.

O governo japonês está buscando integrar o blockchain ao seu sistema de licitações online.

Na Europa, o porto da Antuérpia assim como o de Rotterdam estão com projetos pilotos para utilizar a tecnologia para otimizar a operação portuária e diminuir drasticamente a papelada, um dos grandes custos do transporte marítimo.

Marco jurídico

Para que essa tecnologia possa crescer e se desenvolver, gerando empregos e oportunidades de negócios no Brasil, é preferível clareza legal a regulações que atravanquem ou impeçam empresas de operar em território nacional, sem trazer benefício algum aos consumidores.

Cito o exemplo recente e positivo do Japão, cujo governo aprovou legislação reconhecendo o pagamento com bitcoin uma atividade perfeitamente lícita. Isso não significa reconhecer o bitcoin como moeda, mas sim que o pagamento com essa tecnologia representa uma atividade plenamente legítima.

Ressalto, porém, que antes da lei, o uso de pagamento com a moeda digital já era lícito; apenas não havia um posicionamento estatal ratificando essa condição. Este simples esclarecimento reduz incertezas e promove um ambiente mais propício e tranquilo para os empreendedores inovarem com a tecnologia.

Trago também o exemplo da Austrália, que, com o intuito de atrair empresas de tecnologia aplicada às finanças, as chamadas FinTechs, revogou uma dupla taxação que havia sobre o uso do pagamento com bitcoin. A partir deste mês, imposto sobre valor agregado incide apenas na venda dos produtos, e não na compra de bitcoin por qualquer usuário, como ocorria antes.

Além de clareza legal, é recomendável fomentar a auto-regulação por meio, inclusive, da própria tecnologia. Há soluções que podem ser implantadas com simples programação, como, por exemplo, carteiras multisig (que requerem mais de uma assinatura) e escrow accounts (uma espécie de contas-caução).

Conclusão

Hoje, adotar uma regulação abrangente para “moedas digitais” é análogo a uma regulação abrangente para a internet de 1995 por causa do correio eletrônico. Internet é muito mais do que apenas a troca de mensagens em formato digital.

A tecnologia do Blockchain é muito mais que apenas uma moeda digital.

A prudência recomenda dar tempo ao tempo. Sufocar essa grande invenção tecnológica ainda no berço somente privará a sociedade do enorme potencial que nem sequer podemos prever em sua plenitude.

Obrigado pela sua atenção.

Fonte: Mises Brasil