HomeOpinião: O whitepaper do Bitcoin e como as coisas realmente são

Opinião: O whitepaper do Bitcoin e como as coisas realmente são

Hassan Maishera

Fonte: news.bitcoin.com

Este é um dos temas mais espinhosos entre os usuários de criptoativos. Somos dependentes de intermediários financeiros até os dias atuais, seja para guardar nosso dinheiro em bancos, seja para operar capital em bolsas. É possível se tornar completamente independente do governo e/ou de terceiros para gerenciar seu capital?

Voltemos à teoria

Para que uma resposta a esta pergunta tão delicada seja possível, é necessário rever alguns conceitos básicos e objetivos sobre o quão ideólogo foi Satoshi Nakamoto e o quão possível é tornar sua visão em realidade.

O Bitcoin é uma moeda digital descentralizada ponto-a-ponto (peer-to-peer) que utiliza criptografia avançada para validar transações sem a necessidade de terceiros de confiança. Podemos verificar as intenções de Satoshi Nakamoto em seu whitepaper (em tradução livre):

Uma versão puramente ponta-a-ponta de dinheiro eletrônico permitiria pagamentos online diretamente entre duas partes sem a necessidade de uma instituição financeira”.

Ainda segundo o texto, que pode ser lido na íntegra aqui, “(…)o custo de mediação aumenta o custo das transações, limitando o valor mínimo destas e acabando com a possibilidade de transações pequenas e casuais”. Sendo assim, a confiança teria um custo desnecessário sobre as transações financeiras.

Hoje, praticamente todos os comércios, digitais ou não, são completamente dependentes de instituições financeiras para processar pagamentos eletrônicos. Através de um sistema sólido de assinaturas digitais, os riscos de fraude ao longo de uma transação qualquer com Bitcoin seriam praticamente reduzidos a zero. A irreversibilidade das transferências com Bitcoin seriam uma forma adicional de segurança para o usuário.

Para sustentar a rede, é necessária a mineração, que consiste na disponibilização de poder computacional exclusivamente dedicado à resolução de cálculos matemáticos que se tornam cada vez mais complexos. Assim que os cálculos são finalizados, novos centavos de bitcoin (satoshis) são disponibilizados na rede e essa é uma das principais forma de aquisição de novos bitcoins.

Em linhas gerais, as criptomoedas são precificadas no par Dólar Americano (USD). Por que um criptoativo descentralizado, sem a necessidade de intermediários estatais ou bancários, seria precificado de acordo com uma moeda fiduciária, afinal? A resposta é simples: trata-se de uma das moedas mais importantes e utilizadas globalmente e sua cotação afeta diretamente a precificação de vários produtos e serviços oferecidos ao redor do mundo, em especial o preço de dispositivos eletrônicos utilizados para mineração.

Custo x Benefício

No primeiro parágrafo do whitepaper, Satoshi afirma que “(…)a rede requer estrutura mínima. Mensagens são distribuídas da melhor forma possível e os nós (nodes) podem entrar e sair da rede à vontade, aceitando a corrente com a maior prova de trabalho como prova do que aconteceu enquanto estava fora”.

Com o aumento na dificuldade de mineração e o crescimento exponencial na quantidade de transações, mineração por processador (CPU) se tornou completamente obsoleta. Com isso, empresas como a Bitmain começaram a desenvolver soluções mais eficientes para tornar a mineração mais eficiente. Assim nasceram os circuitos integrados específicos para aplicações (ASIC) de mineração.

Ainda que máquinas mais parrudas tenham sido desenvolvidas unicamente com o objetivo de minerar, gigante japonesa de TI, GMO Internet, lançou em meados deste ano uma mineradora que fornece taxa de hash de 24 TH/s, contra os 13,5 TH/s da Antminer S9 da Bitmain. Devido ao aumento expressivo na dificuldade de rede, equipamentos mais robustos se mostraram necessários para manter a rede mais rápida e segura.

Em momento algum é citado no whitepaper outro modo de mineração que não fosse a tradicional doação de poder computacional por CPU, levando-nos à conclusão de que a premissa do Bitcoin seria de que os próprios usuários transacionariam e criariam seu próprio dinheiro ponto-a-ponto através de seus dispositivos pessoais ligados à internet.

Caso ainda minerássemos via CPU ainda hoje, teríamos prejuízos mensais em nossas contas de luz, além de obtermos retorno baixíssimo sobre a prova de trabalho. O custo da rede não é mais mínimo. Muito pelo contrário. O custo de se minerar um Bitcoin pode ser superior a seis mil dólares, dependendo do local. Convém citar que o custo de mineração de um criptoativo qualquer não se limita tão somente ao preço do kW/h, e sim de todos os fatores envolvidos no processo, como aquisição de máquinas, compra/aluguel de espaço para mineração, computadores, funcionários etc.

Será que, sem a incorporação de tecnologias menos acessíveis às grandes massas e de maior poder computacional, o Bitcoin teria crescido da forma como cresceu em tão pouco tempo? Será que soluções brilhantes e essenciais para a implementação mainstream, como a Lightning Network, teriam sido pensadas caso o criptoativo continuasse sendo utilizado e mantido à maneira como Satoshi idealizou em 2008? O quão grande seria o Bitcoin se seu emprego se mantivesse dentro de sua essência inicial nos dias de hoje?

Descentralização, fraudes e controle

Os puristas entendem que os operadores de compra e venda de criptomoedas ponto-a-ponto, conhecidos popularmente como P2P, são os que realmente compartilham da essência real dos criptoativos descentralizados. Ainda assim, devido à grande quantidade de fraudes em operações P2P, muitos profissionais já conhecidos passaram a oferecer serviço de Escrow.

Escrow é um acordo financeiro através do qual uma terceira pessoa de confiança age como intermediária de uma transação entre duas partes que não se conhecem e não se confiam. Sendo assim, é o Escrow que recebe pelo produto e repassa o dinheiro e cobra uma taxa pelo serviço. Praticamente todos os mais conhecidos operadores P2P do Brasil fazem este serviço para terceiros.

Rocelo Lopes, CEO da Stratum CoinBR, deu o que falar durante apresentação na Labitconf, em Santiago, Chile. Diversos outros palestrantes afirmaram que as corretoras deveriam trabalhar junto com o sistema financeiro tradicional de maneira cooperativa. Rocelo Lopes, segundo informações do portal Criptomoedas Fácil, bradou seu slogan “f… the banks” (f***m-se os bancos) e afirmou:

“Quando Satoshi Nakamoto publicou o whitepaper do Bitcoin, ele não falou nada sobre KYC (identificação do cliente), AML (lavagem de dinheiro) e todas estas regras bobas que as exchanges usam”.

Da mesma forma que Satoshi jamais fez nenhuma menção à metologia dominante de coleta de dados que grande parte das corretoras seguem, também não há nenhuma menção sobre a incorporação de criptoativos em bolsas centralizadas, como é o caso da CoinBR. A ideia, segundo o próprio whitepaper, é haver transações puramente de ponto-a-ponto, sem a necessidade de um terceiro supostamente de confiança, como é o caso das exchanges que, por definição lógica, são instituições financeiras per se.

Rocelo Lopes foi íntimo de nomes bastante nebulosos vinculados ao mercado, como Marcus França (Telexfree, Paymony, Powermony, D9 Clube), Cícero Saad Cruz e Jonhnes Carvalho (Paymony, Minerworld). A Minerworld, segundo a Justiça de Campo Grande (MS), articulou esquema de pirâmide financeira envolvendo criptomoedas como fachada para angariar novas vítimas ao embuste.

Segundo informações do site Correio do Estado, vítimas da Minerworld cobram R$ 585,5 mil em ressarcimentos e danos morais. A fim de pagar os clientes lesados, os golpistas criaram um token próprio, a Mcash, que foi utilizada como meio de pagamento no lugar dos bitcoins, segundo determinação unilateral da empresa.

Rocelo Lopes realizou palestra durante o OpenRJ, evento da Minerworld, a convite dos criminosos. Ele afirma não possuir nenhum envolvimento, seja direta ou indiretamente, com o esquema ponzi, embora afirme, segundo informações do GAP em sua conta da Steemit, que a Minerworld foi uma das maiores clientes da CoinPY, empresa que fornece serviços de armazenamento de máquinas de mineração.

>>>Veja a posição do Rocelo em uma polêmica entrevista

Segundo opiniões mais libertárias, uma das soluções possíveis para escapar das regulamentações mais agressivas e garantir o anonimato e a segurança das transações está na criação de exchanges descentralizadas (DEX). Desastres como os da Mt. Gox e ataques bem sucedidos contra exchanges conhecidas, como Bitfinex e Binance, seriam exemplos de que serviços centralizados sempre terão falhas e que hackers sempre encontrarão brechas para serem exploradas.

Projetos como a Waves DEX, NXT e CounterParty são exemplos de corretoras descentralizadas que se tornaram referência, sendo a Waves DEX considerada a corretora descentralizada mais transparente do mundo.

No entanto, a descentralização não torna as corretoras imunes a ataques. Em julho deste ano, a exchange descentralizada Bancor foi hackeada devido a uma brecha de segurança. Cerca de US$ 12 milhões foram roubados até que a situação fosse controlada pelos desenvolvedores. A informação pode ser conferida no tweet do projeto.

Pensadores mais conservadores acreditam que, com a solicitação de documentos e fotos para validar contas em corretoras e demais serviços que envolvam criptomoedas, as chances de que crimes de lavagem de dinheiro ou utilização indevida de conta de terceiros ocorram seriam menores. No entanto, os hackers poderiam, dependendo do tipo de falha de segurança, acessar ainda mais dados dos clientes durante invasão, além de facilitar o monitoramento constante das transações por parte do governo.

A ideia de haver uma regulamentação do mercado de criptomoedas é completamente execrável aos olhos de muitos, enquanto tantos outros afirmam que ela seria extremamente benéfica no sentido de prevenir o crescimento de embustes contra os usuários, desde que oriunda de diretrizes consensuais da comunidade. Outros acreditam que uma regulamentação governamental mais branda seria desejável e mitigaria consideravelmente lesões contra o consumidor.

Carl Amorim, executivo do Blockchain Research Institute, possui um artigo muito interessante sobre o oportunismo no que se refere à criação de associações que tomem para si a responsabilidade de responder por tecnologias distribuídas sem o consenso comunitário.

Afinal, o que seria mais seguro?

Os principais perigos dos serviços centralizados estão em sua relação mais que íntima com as regulamentações governamentais agressivas e na necessidade de termos de acreditar que a minoria que detém o poder de decisão sobre as diretrizes do negócio seja de confiança. No caso dos serviços descentralizados, precisamos acreditar que a equipe por trás dos projetos, muitas vezes anônima, possui conhecimento técnico suficiente para garantir que falhas sejam resolvidas antes mesmo de serem exploradas. O problema é o mesmo, sendo que, no segundo caso, nem sempre você conhecerá o rosto por trás do sucesso ou do fracasso.

Grandes projetos tendem a funcionar de maneira mais eficiente e ordenada quando a hierarquia é mais descentralizada, enquanto projetos menores costumam, em linhas gerais, funcionar melhor sob a tutelagem mais segmentada.

Independentemente de suas opiniões particulares, algumas verdades são absolutas: as moedas fiduciárias, para o bem ou para o mal, ainda reinam e não há nenhuma solução plausível para resolver isso. Tanto mercados centralizados como descentralizados são passíveis de falhas e fraudes das mais variadas. Confiamos nos mais de 200 desenvolvedores responsáveis pelo projeto do Bitcoin para que que seu sistema trustless (sem confiança) continue sendo sempre incorruptível.

Que esta confiança depositada na desconstrução econômica nunca seja traída.

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